" FUNÇÃO EM JUSTA BELEZA
Mobiliários de Ivar Siewers + Arquiteturas de Carla Juaçaba, Carlos
Alberto Maciel, Juliana Barros e Marcos Acayaba
Sejam
novamente bem-vindos à Grampo! Vamos brindar
mais uma oportunidade de celebrar a vida neste
espaço.
Essa nova
narrativa me permite tratar de uma questão presente no cotidiano de todos nós. Se
a realidade construída à nossa volta, em linhas gerais, é tão equivocada, quais
seriam os princípios essenciais para se produzir um móvel, uma casa ou cidade
melhores e, ao mesmo tempo, acessíveis ao máximo de pessoas? O que faz do
desenho, enquanto ferramenta para executar projetos e objetos, uma ferramenta
para melhorar a vida? Na tentativa de síntese do assunto, que é complexo,
proponho uma fórmula para Função em Justa
Beleza, com duas variáveis, aparentemente antagônicas, pelas quais quem
desenha inevitavelmente passa e se equilibra.
De um lado,
os recursos disponíveis (técnicos, financeiros, logísticos), e, de outro, as
demandas das pessoas – desde aquelas envolvidas na produção até os usuários.
Penso que, quanto mais longe se vai nessas variáveis, mais a vida pode
melhorar.
Para
ilustrar o conceito sugerido, selecionei objetos e projetos que sintetizam tudo
isso silenciosamente, poeticamente. Os trabalhos e seus autores são incríveis,
e quem afirma são instituições como o Museu da Casa Brasileira, Bienais e
premiações de arquitetura, círculos acadêmicos, publicações de peso e felizes
proprietários destes mobiliários e arquiteturas.
Para cada
um deles apresento motivos emblemáticos que justificam minhas escolhas. Ivar
Siewers, com sua formação humana fantástica, de uma sensibilidade rara, e seus
mobiliários. Ele pensa em sociedade, busca obsessivamente design acessível ao
máximo de pessoas. Sempre às voltas com suas planilhas, com os custos do aço,
sobre como tornar uma peça mais leve e mais rígida ao mesmo tempo, ou como
desenvolver uma máquina capaz de executar uma peça até então inexequível. E seu
senso estético espantoso, sofisticado, permanece ali ao fundo, impávido,
enquanto comanda a produção de suas peças premiadas e de alguns mobiliários brasileiros
antológicos. Que mistura incrível é ele, um filho de pai norueguês e mãe
brasileira, paulista radicado em Minas; geleira e brasilidade.
Sobre os
arquitetos, todos adotam nos projetos aqui expostos materiais e técnicas
construtivas amplamente utilizadas no país, acessíveis e simples. A arquiteta
carioca Carla Juaçaba, de trabalho tão radical e tão delicado, aqui representada
com sua Casa Mínima, de 24m², de planta em cruz que tem referência histórica nas
igrejas góticas. Ao escolher o tijolo maciço como material principal do
projeto, explica que “era o que cabia na mão do operário que precisava seguir
montanha acima para construir”. Exemplar decisão “Função em Justa Beleza” que
equaciona a técnica construtiva possível para aquela situação específica,
naquele universo de restrições e demandas. Sua escolha, então, é elaborada, e
ela determina que o tijolo seja empilhado, tendo resultado em um bordado de tijolinhos
que dá vontade de tocar. E a casa, propriamente dita, parece um deleite para
quem habita; O arquiteto super-herói, Carlos Alberto Maciel, apelidado de Robin, por ser reconhecido como prodígio,
empreendeu o edifício de apartamentos duplex e triplex, Estúdios Capelinha.
Supercompactos, talvez um dos lugares mais legais para se morar em Belo
Horizonte, apresenta, também, austeridade na escolha dos materiais. Causa
surpresa em seu espaço interno, destaca-se no entorno com a bela geometria das
faces externas. A racionalização constante dos recursos e materiais permitiu ao
arquiteto competir, de maneira comercial, no mesmo mercado imobiliário que
vende 99,9% de apartamentos-caixinha. Sorte daqueles que acharam essa joia como
opção;
Quanto ao
Conjunto de Residências no Alto da Boa Vista (no Morumbi, São Paulo), composto de
casas geminadas, foi projetado e empreendido pelo fantástico Marcos Acayaba, famoso
pela virtuosidade no uso da madeira em suas arquiteturas. Esbanja inteligência
e elegância também nessas construções em blocos de concreto aparente, modulados
centímetro a centímetro para evitar ao máximo o corte de blocos. O material foi
projetado para ficar exposto, com total dignidade, sem pintura, num resultado
de proporções impressionantes, de uma harmonia rara. Acayaba conseguiu ainda a
proeza de, praticamente, eliminar o uso de fôrmas através da racionalização da
técnica construtiva, o que se reverteu em custo muito, muito reduzido por metro
quadrado construído; Por fim, a proposta fantástica de Juliana Barros – a moça
é ‘mega’ na matemática, na
competência, e entende ainda da complexa acústica e seus cálculos – outra alma em
que a ciência exata habita. Propõe a reconversão de um edifício decadente e
subutilizado no centro de BH para reforma em inúmeros apartamentos pequenos e
fantásticos – uma verdadeira ginástica nas plantinhas! Para moradia de
interesse social. Como seria bacana ver o centro da cidade vivo também fora dos
horários comerciais, saber que as pessoas gastam pouquíssimo tempo até o trabalho;
que tem menos ônibus e carros obstruindo as ruas; que estamos utilizando todos
os centímetros possíveis nessas regiões privilegiadas das cidades. Os extratos
sociais mais variados morando perto uns dos outros – isso é muito justa beleza
também. Aproveitar prédios velhinhos, então, nem se fala – torço pra que o retrofit chegue pra valer.
Para
concluir esta mostra, um projeto meu será desenvolvido dentro da lógica “Função
em justa beleza” e seu processo mostrado até sua conclusão, durante o período
em que a exposição estiver em cartaz.
E, pra que
exemplos de Função em Justa Beleza
aconteçam cada vez mais, precisamos de mais construtores esclarecidos, que entendam
que arquitetura boa é investimento certeiro. Mais arquitetos empreendedores
também e mais editoras de design – como é o caso da europeia Objekt que detém
os direitos de produção de alguns dos mobiliários que saem da Fábrica de Ivar. Mais
industriais como Ivar, que se dispõe, quando é preciso, até mesmo a criar
máquinas especialmente para produzir melhores exemplares de design – com maior
eficiência na produção e excelência no acabamento. E, talvez, o principal, mais
e mais pessoas tocadas pela Função em Justa
Beleza, que demandem isso do mercado, que tenham consciência cada vez maior
dela.
Concluindo,
se vivemos na era da sociedade do espetáculo, e, se pensarmos que espetáculos duram
pouco, que a vida continua depois desses momentos de exceção, entendemos que a Função em Justa Beleza pode ser pra toda
hora, pode tecer nossas cidades. Ela é simples e linda. Serve às pessoas, gosta
delas. Nunca vai estar num museu de grandes novidades. Não confunde o caro com
o bom; ou o pesado, grandioso, com o valioso. Tem uma estética que reflete uma
boa ética porque é pertinente ao local e às pessoas a que se destina. É talvez
a que mais se aproxima da tríade: “O que é belo, é também justo e verdadeiro”.
Quis exaltá-la nessa exposição porque é discreta, precisa ser discutida e
entendida. E encarna o “onde nada sobra, onde nada falta”, o ideal de beleza
nas palavras do mestre Acayaba. De tão bela, chega a ser de injusta beleza.
Belo Horizonte, 19/12/2012. "
2 comentários:
Texto incrivelmente fantástico! Você é uma menina prodígio!
Fico feliz que tenha gostado, Mari! Muito obrigada!
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