30 de janeiro de 2013

Antídoto para Trump Towers e afins

Conceber essa exposição me permitiu formular um antídoto particular para um mundo em que explodem construções blockbusters _ desde de Trump Towers a tantos outros de lógicas afins, de igual ou menor escala. E ainda que o tom escolhido para o texto de abertura seja doce, é meu manifesto (um amigo classificou dessa forma e adorei. O que eu queria era mesmo me manifestar). 


" FUNÇÃO EM JUSTA BELEZA

Mobiliários de Ivar Siewers + Arquiteturas de Carla Juaçaba, Carlos Alberto Maciel, Juliana Barros e Marcos Acayaba  





Sejam novamente bem-vindos à Grampo! Vamos brindar mais uma oportunidade de celebrar a vida neste espaço.

Essa nova narrativa me permite tratar de uma questão presente no cotidiano de todos nós. Se a realidade construída à nossa volta, em linhas gerais, é tão equivocada, quais seriam os princípios essenciais para se produzir um móvel, uma casa ou cidade melhores e, ao mesmo tempo, acessíveis ao máximo de pessoas? O que faz do desenho, enquanto ferramenta para executar projetos e objetos, uma ferramenta para melhorar a vida? Na tentativa de síntese do assunto, que é complexo, proponho uma fórmula para Função em Justa Beleza, com duas variáveis, aparentemente antagônicas, pelas quais quem desenha inevitavelmente passa e se equilibra.

De um lado, os recursos disponíveis (técnicos, financeiros, logísticos), e, de outro, as demandas das pessoas – desde aquelas envolvidas na produção até os usuários. Penso que, quanto mais longe se vai nessas variáveis, mais a vida pode melhorar.

Para ilustrar o conceito sugerido, selecionei objetos e projetos que sintetizam tudo isso silenciosamente, poeticamente. Os trabalhos e seus autores são incríveis, e quem afirma são instituições como o Museu da Casa Brasileira, Bienais e premiações de arquitetura, círculos acadêmicos, publicações de peso e felizes proprietários destes mobiliários e arquiteturas.

Para cada um deles apresento motivos emblemáticos que justificam minhas escolhas. Ivar Siewers, com sua formação humana fantástica, de uma sensibilidade rara, e seus mobiliários. Ele pensa em sociedade, busca obsessivamente design acessível ao máximo de pessoas. Sempre às voltas com suas planilhas, com os custos do aço, sobre como tornar uma peça mais leve e mais rígida ao mesmo tempo, ou como desenvolver uma máquina capaz de executar uma peça até então inexequível. E seu senso estético espantoso, sofisticado, permanece ali ao fundo, impávido, enquanto comanda a produção de suas peças premiadas e de alguns mobiliários brasileiros antológicos. Que mistura incrível é ele, um filho de pai norueguês e mãe brasileira, paulista radicado em Minas; geleira e brasilidade.

Sobre os arquitetos, todos adotam nos projetos aqui expostos materiais e técnicas construtivas amplamente utilizadas no país, acessíveis e simples. A arquiteta carioca Carla Juaçaba, de trabalho tão radical e tão delicado, aqui representada com sua Casa Mínima, de 24m², de planta em cruz que tem referência histórica nas igrejas góticas. Ao escolher o tijolo maciço como material principal do projeto, explica que “era o que cabia na mão do operário que precisava seguir montanha acima para construir”. Exemplar decisão “Função em Justa Beleza” que equaciona a técnica construtiva possível para aquela situação específica, naquele universo de restrições e demandas. Sua escolha, então, é elaborada, e ela determina que o tijolo seja empilhado, tendo resultado em um bordado de tijolinhos que dá vontade de tocar. E a casa, propriamente dita, parece um deleite para quem habita; O arquiteto super-herói, Carlos Alberto Maciel, apelidado de Robin, por ser reconhecido como prodígio, empreendeu o edifício de apartamentos duplex e triplex, Estúdios Capelinha. Supercompactos, talvez um dos lugares mais legais para se morar em Belo Horizonte, apresenta, também, austeridade na escolha dos materiais. Causa surpresa em seu espaço interno, destaca-se no entorno com a bela geometria das faces externas. A racionalização constante dos recursos e materiais permitiu ao arquiteto competir, de maneira comercial, no mesmo mercado imobiliário que vende 99,9% de apartamentos-caixinha. Sorte daqueles que acharam essa joia como opção;
Quanto ao Conjunto de Residências no Alto da Boa Vista (no Morumbi, São Paulo), composto de casas geminadas, foi projetado e empreendido pelo fantástico Marcos Acayaba, famoso pela virtuosidade no uso da madeira em suas arquiteturas. Esbanja inteligência e elegância também nessas construções em blocos de concreto aparente, modulados centímetro a centímetro para evitar ao máximo o corte de blocos. O material foi projetado para ficar exposto, com total dignidade, sem pintura, num resultado de proporções impressionantes, de uma harmonia rara. Acayaba conseguiu ainda a proeza de, praticamente, eliminar o uso de fôrmas através da racionalização da técnica construtiva, o que se reverteu em custo muito, muito reduzido por metro quadrado construído; Por fim, a proposta fantástica de Juliana Barros – a moça é mega’ na matemática, na competência, e entende ainda da complexa acústica e seus cálculos – outra alma em que a ciência exata habita. Propõe a reconversão de um edifício decadente e subutilizado no centro de BH para reforma em inúmeros apartamentos pequenos e fantásticos – uma verdadeira ginástica nas plantinhas! Para moradia de interesse social. Como seria bacana ver o centro da cidade vivo também fora dos horários comerciais, saber que as pessoas gastam pouquíssimo tempo até o trabalho; que tem menos ônibus e carros obstruindo as ruas; que estamos utilizando todos os centímetros possíveis nessas regiões privilegiadas das cidades. Os extratos sociais mais variados morando perto uns dos outros – isso é muito justa beleza também. Aproveitar prédios velhinhos, então, nem se fala – torço pra que o retrofit chegue pra valer.

Para concluir esta mostra, um projeto meu será desenvolvido dentro da lógica “Função em justa beleza” e seu processo mostrado até sua conclusão, durante o período em que a exposição estiver em cartaz.

E, pra que exemplos de Função em Justa Beleza aconteçam cada vez mais, precisamos de mais construtores esclarecidos, que entendam que arquitetura boa é investimento certeiro. Mais arquitetos empreendedores também e mais editoras de design – como é o caso da europeia Objekt que detém os direitos de produção de alguns dos mobiliários que saem da Fábrica de Ivar. Mais industriais como Ivar, que se dispõe, quando é preciso, até mesmo a criar máquinas especialmente para produzir melhores exemplares de design – com maior eficiência na produção e excelência no acabamento. E, talvez, o principal, mais e mais pessoas tocadas pela Função em Justa Beleza, que demandem isso do mercado, que tenham consciência cada vez maior dela.

Concluindo, se vivemos na era da sociedade do espetáculo, e, se pensarmos que espetáculos duram pouco, que a vida continua depois desses momentos de exceção, entendemos que a Função em Justa Beleza pode ser pra toda hora, pode tecer nossas cidades. Ela é simples e linda. Serve às pessoas, gosta delas. Nunca vai estar num museu de grandes novidades. Não confunde o caro com o bom; ou o pesado, grandioso, com o valioso. Tem uma estética que reflete uma boa ética porque é pertinente ao local e às pessoas a que se destina. É talvez a que mais se aproxima da tríade: “O que é belo, é também justo e verdadeiro”. Quis exaltá-la nessa exposição porque é discreta, precisa ser discutida e entendida. E encarna o “onde nada sobra, onde nada falta”, o ideal de beleza nas palavras do mestre Acayaba. De tão bela, chega a ser de injusta beleza.

Manoela Beneti

Belo Horizonte, 19/12/2012. "

2 comentários:

Mariana Hoffman disse...

Texto incrivelmente fantástico! Você é uma menina prodígio!

GRAMPO disse...

Fico feliz que tenha gostado, Mari! Muito obrigada!